Trump: o Lula boreal
Trump: o Lula boreal

Donald Trump tem mais em comum com Luiz Inácio Lula da Silva do que jamais admitirá.
Quem conhece a forma de Lula conduzir a economia, reconhece isso nas políticas comerciais e industriais de Trump. Lula é a referência para uma economia de mercado guiada pelo populismo: o Estado intervém, protege setores estratégicos e utiliza o poder econômico para alcançar objetivos políticos e geopolíticos.
Bem ao estilo sul-americano. Da Argentina de Perón à Venezuela de Chávez, esse modelo foi utilizado. Trump faz no Norte o que Lula faz há anos nos trópicos — mas joga mais duro e também usa o poder econômico para intervir diretamente na política externa.
No início de agosto de 2025, Trump impôs uma tarifa de importação de 50% sobre um amplo pacote de produtos brasileiros. A Casa Branca não vinculou a medida a um superávit comercial ou ameaça econômica, mas sim ao processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro – aliado político de Trump. Lula recusou negociações diretas, buscou apoio de outras potências e deixou claro que o Brasil não se deixará ditar.
O comércio como arma diplomática
Assim como Trump, Lula usa o comércio como instrumento de pressão. Ele vincula cada ferramenta econômica a um objetivo político mais amplo. Dois exemplos recentes:
Os BRICS – Após as tarifas americanas, Lula convocou os líderes da China, Índia e outros parceiros dos BRICS. Ele quis formar uma frente unida e transformou uma disputa bilateral numa questão de poder entre Washington e um bloco de economias emergentes.
Minerais estratégicos – Lula desenvolve uma estratégia nacional para recursos cruciais como lítio e terras raras. Ele declarou que se trata de uma “questão de soberania nacional” e utiliza exportações e investimentos como alavanca em negociações internacionais.
Ao contrário do seu colega do Norte, Lula utiliza o comércio principalmente de forma defensiva: para proteger o Brasil da pressão externa e garantir espaço para a política interna.
Trump nos passos de Lula, mas de forma mais dura
Trump emprega os mesmos instrumentos, mas de maneira muito mais agressiva. Como líder da maior economia do mundo, dispõe de uma alavanca que Lula não tem: uma única decisão tarifária de Washington pode desorganizar setores ou economias inteiras em outros lugares. Enquanto Lula geralmente vincula pressão econômica a dossiês comerciais ou geopolíticos, Trump também a utiliza para influenciar diretamente a política interna de outros países.
A tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros é um exemplo. Ela não foi concebida para proteger a indústria americana, mas para pressionar o Brasil no julgamento de Bolsonaro. Lula aproveitou para atacar seu adversário de frente: Bolsonaro, disse ele, é “um traidor da pátria” por ter provocado Trump a interferir na ordem jurídica brasileira. Lula apresentou, com razão, o conflito como uma questão de honra nacional.
Uma carta inesperada na manga
Trump deu assim a Lula, sem querer, uma carta poderosa. A decisão tarifária permitiu que Lula se apresentasse como defensor da soberania brasileira, acima da política partidária. Num país em que o orgulho nacional é profundamente enraizado, Lula mobilizou apoio muito além de sua própria base. Sua mensagem foi simples: quem resiste à ingerência estrangeira defende o Brasil.
Números-chave: a tarifa americana de 50%
(em vigor desde 6 de agosto de 2025)
Exportações totais do Brasil para os EUA: cerca de 12–13% do total
Parcela das exportações afetadas: ± 36% das exportações para os EUA (após cerca de 700 isenções de produtos)
Valor total dos bens afetados: mais de 50% das exportações para os EUA quando incluídas todas as tarifas existentes e novas
Principais setores afetados:
Café – produto icônico, totalmente sujeito à tarifa de 50%
Carne – sobretudo bovina e de frango
Frutas e verduras – incluindo frutas tropicais e produtos processados
Têxteis e vestuário – especialmente do Nordeste brasileiro
Calçados e couro – segmento tradicional de exportação
Impacto econômico:
Possível retração de 0,15 ponto percentual do PIB em 2025
Forte impacto em regiões de exportação de baixo valor agregado, como o Nordeste
Economia estatal em dois climas
Trump apresenta-se como campeão do livre empreendimento, mas, assim como Lula, recorre a instrumentos estatais de viés esquerdista: tarifas de importação, sanções, isenções e estratégia industrial. Até mesmo uma participação estatal estratégica de Trump na Intel soa bastante brasileira. O Estado orienta a economia, e as prioridades políticas prevalecem. No Brasil, Lula embala isso em linguagem sindical de esquerda; nos EUA, Trump o faz com retórica operária do “America First” — mas a essência é a mesma.
Milei como contraponto
O presidente argentino, Javier Milei, demonstra que o populismo nem sempre conduz ao nacionalismo econômico. Ele compartilha com Lula e Trump o estilo político — aguçado, polarizador, anti-establishment — mas opta por uma liberalização radical: privatizações, remoção de barreiras comerciais e concorrência máxima. Ainda assim, é aliado geopolítico de Trump. Isso mostra que o modelo de Lula é apenas uma das formas possíveis de economia populista, mas é o esboço ao qual Trump mais se aproxima.
Contexto político: soberania e prestígio
Nesta guerra tarifária, Lula pode se posicionar como guardião da soberania nacional. Recusa-se a ser humilhado em conversas diretas com Trump e utiliza o conflito para construir prestígio interno. O fato de Trump ter vinculado abertamente suas sanções ao processo contra Bolsonaro reforçou a imagem de um presidente americano que se intromete na ordem jurídica brasileira. E isso certamente não é a primeira vez na história. Com o ataque à soberania brasileira, Trump trouxe ao seu amigo Bolsonaro sobretudo danos de imagem e perda política.
A referência para populistas econômicos
Quem quiser compreender Trump como populista econômico precisa apenas olhar para Lula. Ambos utilizam o comércio como arma, conduzem o mercado com mão política e colocam os interesses nacionais acima das regras internacionais. A diferença: Trump aproveita a supremacia econômica dos EUA para impor sua agenda política de forma dura — até mesmo influenciando processos políticos estrangeiros. Suas filosofias econômicas pouco diferem, mas Lula joga suas cartas de forma muito mais astuta, alcançando com leveza aparente o que Trump tenta impor com força bruta.